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Índice
1. A morte e o morrer
2. A morte é inevitável
3. Morrer com consciência
4. O jogo divino
5. Praticando para a sepultura
6. Tornando-se vivo para a vida

A morte e o morrer

Sadhguru: A morte é uma questão muito fundamental. Na verdade, a morte está mais próxima de nós do que as estatísticas que lemos sobre ela. A cada momento, a morte está acontecendo em nós a níveis dos órgãos e das células. É assim que, com apenas uma olhada em seu interior, seu médico sabe quantos anos você tem. De fato, a morte começou em nós antes mesmo de nascermos. Somente se você for ignorante e inconsciente é que parece que a morte chegará a você algum dia mais tarde. Se você estiver consciente, verá que tanto a vida quanto a morte estão acontecendo a todo momento. Se você respirar um pouco mais conscientemente, notará que a cada inspiração há vida, a cada expiração há morte. 

Se você respirar um pouco mais conscientemente, notará que a cada inspiração há vida, a cada expiração há morte.

Ao nascer, a primeira coisa que uma criança faz é inspirar, aspirar o ar, e a última coisa que você fará em sua vida é uma expiração. Você expira agora e, se não fizer a próxima inspiração, estará morto. Se você não percebe isso, apenas faça uma expiração, segure o nariz e não faça a próxima inspiração. Após alguns momentos, cada célula do seu corpo começará a gritar por vida. A vida e a morte estão acontecendo o tempo todo. Elas existem juntas, inseparavelmente, na mesma respiração. Esta relação vai ainda mais além do que a respiração. A respiração é apenas um ator coadjuvante. O verdadeiro processo é da energia de vida, ou prana, que controla a existência física. Com certo domínio sobre o prana, uma pessoa pode existir para além da respiração, por períodos substanciais de tempo. A respiração é um pouco mais imediata, pela sua necessidade, mas está na mesma categoria que a comida e a água.

A morte é um aspecto tão fundamental, pois se uma pequena coisa acontecer, você pode partir amanhã de manhã. Por que amanhã de manhã? Uma pequena coisa nesse momento e você pode sumir no momento seguinte. Se você fosse como qualquer outra criatura, talvez não pudesse pensar em tudo isso, mas, uma vez que é dotado de inteligência humana, como ignorar um aspecto tão significativo de sua vida? Como você pode ignorá-lo e viver como se fosse ficar aqui para sempre? Como é possível que, depois de viver aqui, por milhões de anos de vida, os seres humanos ainda não sabem absolutamente nada sobre a morte? Bom, eles também não sabem nada sobre a vida. Conhecemos todas as armadilhas da vida, mas o que você sabe sobre a vida como tal?

Fundamentalmente, esta situação surgiu porque você perdeu a perspectiva de quem você é neste Universo. Se este Sistema Solar em que estamos evaporar amanhã de manhã, ninguém, neste Cosmos, não vai nem notar — é tão pequeno assim, apenas uma partícula. Nesta partícula de um Sistema Solar, o planeta Terra é uma micropartícula. Nesta micro partícula, a cidade em que você mora é uma super micropartícula. Nisso, você é um grande homem. Esse é um problema sério. Quando você perde completamente a perspectiva de quem você é, como você acha que vai entender alguma coisa sobre a natureza da vida ou da morte?

P) Mas, Sadhguru, a morte me incomoda muito, mesmo que seja um pombo na minha varanda ou um cachorro na estrada. Por que me sinto assim?

Sadhguru: A mortalidade é a base de todo medo. Se você não fosse mortal, não haveria medo em você, porque mesmo se fosse cortado em pedaços, ainda assim, você não morreria, mas o que há para se temer? A morte é uma coisa maravilhosa. Põe fim em muitas coisas. Neste momento, por causa da maneira que você é, você pode pensar que isso é uma coisa terrível, mas, se você vivesse por mil anos, você veria a morte como um alívio. Se você ficar aqui por muito tempo, as pessoas vão se perguntar quando você partirá! A morte é um alívio tremendo. Só que não deve acontecer prematuramente, não queremos cair mortos quando ainda somos capazes de criar, contribuir e fazer as coisas acontecerem.

 

A morte é inevitável

Se você quer cair morto em um momento apropriado, você precisa fazer sadhana para poder determinar quando você cairá morto, caso contrário, mesmo quando você vir um pombo morto, ele o lembrará de sua própria mortalidade. O que estava voando ontem, está morto e seco hoje. Imaginar que você poderá ficar assim um dia, pode ser assustador, porque sua identificação com o que você acumulou se tornou muito compulsiva. Quando digo "sua identificação com o que você acumulou", o próprio corpo que você carrega é apenas um pedaço de terra. O solo que você acumulou e transformou neste corpo, assim como suas identidades, tornaram-se tão fortes, que perdê-los parece uma coisa terrível.

Suponha que você está acima do peso, e nós o ajudamos a perder 10 quilos, você se sentiria mal e choraria por isso? Definitivamente, não, a maioria das pessoas fica em êxtase quando perde 10 quilos. Agora, suponha que você perde todos os seus 50 ou 60 quilos, qual é o problema? Se você conhece a vida do jeito que ela é, e não está perdido nos amontoados que acumulou, deixar o corpo não é grande coisa.

Os cadáveres de pássaros, insetos, cães e seres humanos são apenas solo sendo recolocado no solo. Não é um grande drama, é um processo natural. Você tem que devolver e reciclar o que pegou. Você pode atribuir muito significado ao seu nascimento, à sua vida e sua morte, mas, no que diz respeito à Mãe Terra, é apenas reciclagem. Ela lhe empurra para fora e lhe puxa de volta. Você pode presumir muitas coisas sobre si mesmo, mas deve devolver o que coletou, isso é um bom hábito. Tudo o que você tira de alguém deve ser devolvido em algum momento. A morte é um bom hábito, acredite em mim.

P) Mas o que o conhecimento da morte tem a ver com o viver bem?

Sadhguru: 

A morte é a base da vida. Se você não entender a morte, nunca conhecerá a vida, nem poderá lidar com a vida, porque a vida e a morte são como a inspiração e a expiração. Elas existem juntas, inseparavelmente. O processo espiritual só começa quando você se confronta com a morte, seja a sua própria ou a de alguém que é querido por você, alguém que você pensou que não poderia viver sem. Quando a morte se aproxima, ou quando ela acontece, é quando a pergunta surge na mente da maioria das pessoas: “De que se trata tudo isso? O que acontecerá depois disso?”. Enquanto a experiência da vida parece tão real, você não pode acreditar que tudo vai acabar assim, de repente, mas, uma vez que a morte esteja próxima, a mente projetará que deve haver algo mais. Por mais que a mente projete, ela realmente não sabe, porque a mente funciona apenas com base nos dados que já acumulou. A mente não tem tração pela morte, porque não tem informações autênticas, apenas fofocas.

Você já ouviu boatos de como quando você morre, vai se sentar no colo de Deus. Se for assim, você deve ir hoje. Se tal privilégio lhe for conferido, não vejo por que você deveria adiá-lo. Você já ouviu boatos sobre o céu e o inferno. Você ouviu boatos sobre anjos e tudo mais, mas nenhuma informação confirmada. Não perca seu tempo tentando pensar no que acontece além da morte, porque esse não é o domínio de sua mente.

Morrer com consciência

A única maneira de saber é através da "pragna", como chamaríamos nas línguas indianas. Em inglês, diríamos “awareness”, mas não tome a palavra em seu sentido comum. Se você está consciente, você tem uma maneira de saber as coisas sem pensar nelas, sem obter informações sobre elas. Se você é um observador atento da vida à sua volta, existe tantas coisas que toda criatura sabe sem pensar sobre elas. Na verdade, se você tivesse que pensar sobre isso, você não saberia nem como respirar. Simplesmente, acontece. Essa inteligência não é sua, essa é a inteligência do Criador. Se uma máquina tão complexa como o seu corpo fosse deixada sob sua gestão, seria um desastre.

...não existe viver e morrer. É tudo "Leela" — um jogo.

Muitas coisas acontecem sem a sua ajuda, sem a sua compreensão ou sem os seus pensamentos. "Pragna" está além do pensamento. "Pragna" é aquilo que é a própria fonte da criação. Se você encontrar acesso a isso, você poderá cruzar o que pensamos ser a fronteira entre a vida e a morte. Na verdade, não há limite, você está vivendo e morrendo agora. No nível social, na limitada experiência e percepção das pessoas, alguém pode estar aqui hoje e partir amanhã, mas, em termos de vida, em termos de processo existencial, não existe viver e morrer. É tudo "Leela" — um jogo.

O jogo divino

Quando dizemos que tudo isso é um jogo divino, não significa que o Divino é uma força sádica brincando com sua vida, chamamos isso de "jogo", porque tudo está entrelaçado. Existencialmente, você não pode separar infância, juventude, meia-idade e velhice — está tudo enredado. O que você chama de "indivíduo" e o que você chama de "universal", não se pode separar. O que você chama de "atômico" e o que você chama de "cósmico", não se pode separar. Nesse sentido, é um jogo.

A morte, e o que está para além dela, não é um segredo que está escondido em algum lugar no céu ou no inferno, está bem aqui, no agora.

Mas, assim que você coloca limites entre uma coisa e outra, não haverá jogo. Quando você se senta aqui, a respiração está perpassando você e a árvore. Você não pode separá-la, no sentido de que “eu faço a minha respiração; deixe que ele faça a respiração dele". Isso acontece em muitos lares: “Eu faço minhas coisas; você faz as suas”. No momento em que você tentar restringir o jogo, a vida escapará de suas mãos.

Todo tipo de coisa foi feito por se querer conhecer a natureza da vida e da morte, mas você não pode compreendê-las fazendo experimentos ou pensando sobre isso. Você pode compreendê-las apenas pela experiência. Sempre que as pessoas me fazem perguntas sobre a morte e o que acontece após a morte, continuo lembrando-lhes que é melhor saber por experiência. Não estou sugerindo que elas devam morrer. O que quero dizer é que você deve experienciar "jeeva", a vida dentro de você. Se você experiencia somente o corpo, então, não importa o que eu diga, você chegará a conclusões erradas. Se sua experiência de vida estiver limitada às suas estruturas mentais e físicas, você não poderá acessar essa dimensão. A morte, e o que está para além dela, não é um segredo que está escondido em algum lugar no céu ou no inferno, está bem aqui, no agora. Acontece que a maioria dos seres humanos nunca prestou atenção suficiente, porque estão muito ocupados com outras coisas.

Sua carreira profissional é muito mais importante do que sua vida. Seu caso amoroso é muito mais importante do que sua vida. Um problema insignificante que eles tenham com alguém próximo é muito mais importante do que suas vidas. A roupa que eles vestem é muito mais importante do que suas vidas. Estes são apenas exemplos. Porque você tem conceitos errados sobre a vida — a vida é ilusória. Mas, na verdade, a vida não está iludindo, você está se esquivando da vida. A vida não está tentando evitá-lo, você está tentando evitá-la de muitas maneiras.

As experiências amargas e dolorosas da vida nunca foram causadas pela vida, elas foram causadas apenas por sua incapacidade de gerenciar sua mente e seu corpo. A vida nunca lhe causou nenhuma dor ou qualquer sofrimento. É apenas o corpo e a mente. Você não sabe como gerenciar sua estrutura mental e sua estrutura física. Dois maravilhosos instrumentos foram dados a você, mas você está estragando tudo. Toda dor e todo sofrimento vieram de você mesmo, não da vida.

"Pragna" é uma dimensão de percepção que lhe dá acesso à vida, à natureza da vida e à fonte da vida. Estas não são coisas diferentes, são apenas nomes diferentes que atribuímos à vida. Não há "fonte" e não há "manifestação", é tudo a mesma coisa. Não existe vida e morte, não é nem vida nem morte, é apenas um jogo com todas essas coisas. Você pode jogar com isso e um dia pará-lo. A vida joga e para, joga e para, mas a vida essencial não é uma certa atividade, não é um certo acontecimento, é um fenômeno que simplesmente está lá. É o pano de fundo da criação. É a fonte da criação.

P) Eu tive um incidente de quase morte, quando fui salvo de ser atropelado por um carro, por questão de segundos. Naqueles poucos segundos, experienciei tudo em câmera extremamente lenta e em detalhes extraordinários. Por que esses segundos foram vividos dessa maneira? E posso experienciar a vida nesse nível de detalhes, conscientemente?

Sadhguru

Isso aconteceu. Dois velhos se conheceram em uma pequena cidade em Indiana, em um bar da região. Ambos estavam sentados, mal-humorados, em duas mesas diferentes, bebendo. Então um dos caras olhou para o outro e viu uma marca de nascença em sua têmpora. Ele olhou para ele e disse: “Ei, você é Joshua?”. “Sim, quem é você?”. “Você não sabe? Sou Mark. Estivemos na guerra juntos”. "Oh meu Deus!". E, de repente, eles se animaram. “Na Segunda Guerra Mundial, estivemos juntos. Já se passaram 50 anos, desde então.”

Eles se sentaram em uma mesa e começaram a beber, conversar e comer. Eles reviveram cerca de 40 minutos de ação na Segunda Guerra Mundial, na Europa — 40 minutos de ataque. Eles falaram sobre esses 40 minutos de formas tão vívidas, por mais de duas horas. Depois que eles terminaram toda essa conversa, um deles perguntou ao outro: “O que você tem feito desde então?”. Ele disse: “Ah, sou apenas um vendedor”. Quarenta minutos de guerra, eles falaram por duas horas, com muita emoção; quarenta anos de vida — “sou apenas um vendedor”. Isso é tudo o que aconteceu.

Praticando para a sepultura

Infelizmente, para muitas pessoas, elas só se tornam vivas quando você as ameaça de morte — seja na guerra, seja em um acidente de carro. Quando a mortalidade o confronta forte, e de forma significativa, é quando você se torna totalmente vivo — lamentável! Quando você, verdadeiramente, genuinamente, confronta sua natureza mortal, você entende que sua vitalidade é a coisa mais importante.

Quando observo as pessoas, parece que todas estão ensaiando para o túmulo — quais tipo de pose, quais tipo de expressões faciais devem ter quando estiverem no túmulo. Elas não entendem que são mortais. Elas pensam que vão ficar aqui para sempre, então praticam a morte quando estão vivas, mas, quando você as ameaça com a morte, elas se tornam vivas. Por que você acha que Krishna escolheu dar seus ensinamentos em um campo de batalha? Não na quietude de um ashram, não nas belas selvas da Índia, não nas cavernas dos Himalaias, mas em um campo de batalha traiçoeiro — porque sem ser ameaçado pela mortalidade, a maioria dos seres humanos não tem inteligência para olhar para a própria vida.

Acho que, quando esses carros autônomos vierem, muita gente vai se realizar espiritualmente! Depois de algum tempo, talvez você aprenda a dormir nele, isso é diferente, mas, inicialmente, você não sabe se ele vai frear ou não, você não sabe se ele vai parar a tempo ou se ele vai bater. Acho que, nos primeiros meses, após os carros autônomos forem legalizados, pode haver alguma realização espiritual no planeta! Devemos estar prontos para algumas pessoas iluminadas.

Tornando-se vivo para a vida

Não espere por um acidente de carro. Você deve saber que pode ter um colapso e morrer agora mesmo. Eu não estou lhe desejando isso. Eu o abençoo com uma vida longa, mas é possível. Todos os dias, muitas pessoas morrem assim. Sentados, em pé, deitados — elas morrem em todos os tipos de posturas.

Quando você percebe que pode morrer, de repente, você valoriza a vida, tornando-se vivo para ela. Continuo lembrando às pessoas que, nesta vida, não se pode falhar, todos partirão. Você nunca viu ninguém que foi retido, porque não viveu sua vida direito, todo mundo parte, mas a maioria partirá sem nunca saber pelo que passou.

Quando você estava prestes a colidir, por alguns momentos, você sabia o que estava passando. O resto do tempo, você não sabe. Neste momento, seu drama cerebral está se sobrepondo a tudo. Isso significa que a sua criação tola está se sobrepondo à magnífica criação que estamos vivendo. Quando a sua criação tola se quebrou, quando você não pôde pensar ou se emocionar por causa do perigo da situação, de repente, parecia que você estava realmente vivo.

Toda o Yoga que estamos lhe ensinando, todos os processos em que estamos lhe iniciando é apenas para ajudá-lo a se distanciar de seu próprio drama, para que o drama cósmico entre em sua percepção. Sem isso, não há nada nesta vida.

 

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