O Momento da Morte - Usando o Processo da Morte para o Crescimento Espiritual

Yogi e místico, Sadhguru, aborda o processo da morte e também sobre como manter a consciência no momento da morte pode ser um meio de crescimento espiritual. Ele também explica como algumas das tradições da cultura indiana, que giram em torno do momento da morte, evoluíram.

Participante: No Bhagavad Gita, diz que, seja qual for o estado de ser do qual a pessoa se lembre durante o processo da morte, ela atingirá este estado e será absorvida neste pensamento. É isso mesmo Sadhguru? Nós podemos usar o momento da morte para criar contentamento naquilo que vier depois?

Sadhguru: Sim, é simples assim. Porém... Há uma história muito linda. Onde quer que ele fosse, o sábio Narada dizia apenas: "Narayana, Narayana". Narada tinha um passaporte para todos os três mundos — ele viajava livremente por toda parte. Um dia, ele viu um fazendeiro arando sua terra em um estado de êxtase e bem-aventurança. Narada estava ansioso para descobrir qual era o segredo da sua bem-aventurança. Quando ele se aproximou do fazendeiro para conversar com ele, o fazendeiro nem o notou, tão concentrado que ele estava arando sua terra. Ao meio-dia, ele deu uma pausa no trabalho e foi comer debaixo de uma árvore. Ele abriu o recipiente com a pouca comida que ele tinha e apenas disse “Narayana, Narayana, Narayana” e começou a comer. O fazendeiro quis compartilhar a refeição com ele, mas por conta do sistema de castas, Narada não iria comer com ele. Narada perguntou: “Qual é a fonte da sua bem-aventurança?”. O agricultor disse: “Todos os dias, Narayana aparece em sua verdadeira forma para mim. Essa é a fonte da minha bem-aventurança”. Narada perguntou: “Que sadhana você faz?”. O fazendeiro disse: “Eu não sei de nada. Eu sou um homem ignorante, analfabeto. É só que, quando eu acordo de manhã, digo 'Narayana' três vezes. Quando eu começo a trabalhar, digo 'Narayana' três vezes. Quando eu acabo de trabalhar, digo 'Narayana' três vezes. Quando eu como, eu digo 'Narayana' três vezes. Quando eu vou para a cama, digo 'Narayana' três vezes”. Narada calculou quantas vezes em vinte e quatro horas ele próprio falava 'Narayana'. Chegou a milhões. Mesmo assim, se ele quisesse ver Narayana, ele teria de percorrer todo o caminho até Vaikuntha, que era uma longa jornada. Mas para esse fazendeiro, que apenas dizia “Narayana” três vezes antes de comer, antes de arar e sei lá mais o que, Narayana aparecia. Narada achou que isso não era justo, deveria ter alguma coisa errada.

Imediatamente, ele viajou para Vaikuntha e perguntou a Vishnu: “Eu falo o seu nome o tempo todo, mas você não aparece para mim. Eu tenho que vir aqui para ver você. Mas para esse fazendeiro, você aparece todos os dias e ele está vivendo em êxtase!”. Vishnu olhou para Narada, pediu a Lakshmi para pegar um vaso de óleo cheio até a boca e disse a Narada: “Primeiro, há uma tarefa a ser feita. Por favor, leve este vaso cheio de óleo para Bhuloka sem derramar uma gota, deixe-o lá e volte. Nós responderemos sua pergunta mais tarde". Narada pegou o vaso com óleo, foi para Bhuloka, deixou-o lá e voltou. “Agora, responda minha pergunta.” Vishnu perguntou: “Quando você estava carregando esse vaso cheio de óleo, quantas vezes proferiu 'Narayana'?”. Narada disse: “Como eu poderia dizer 'Narayana' naquele momento? Você disse que não deveria cair nenhuma gota, então eu tive que prestar atenção naquilo. Mas na volta, eu disse muitos 'Narayanas'”. Vishnu disse: “Esse é o problema. A vida desse fazendeiro é como carregar um vaso cheio de óleo que pode derramar a qualquer momento. Ele tem que trabalhar para ganhar sua comida; ele tem que fazer muitas coisas. Apesar disso, ele está dizendo 'Narayana'. Quando você carregou o óleo neste vaso, nenhuma vez proferiu 'Narayana'. Quando você não tem nada para fazer, é fácil”.

Usando o processo de morte

Quando chega o momento da morte, é necessário um certo entendimento para estar consciente o suficiente para dizer o que você quer dizer. A maioria das pessoas morre sem estar consciente. Nesta cultura, se alguém está morrendo, eles sempre começarão a entoar um mantra como “Ram naam satya hai”, “Aum Namah Shivaya” ou o que souberem, porque eles querem que o moribundo profira o nome de um deus ou que de alguma forma esteja consciente no último momento. Você nem precisa dizer nada. Quando você consegue manter sua consciência no momento em que estiver transitando de uma dimensão da vida para outra, do físico para o além, isso é mukti. Mas para obter consciência naquele momento, você deve praticar um estado de consciência por toda a vida. Ou você deve estar na presença de alguém que possa fazer isso acontecer para você. Nesse contexto, Krishna disse que se você puder pensar nele no momento da morte, ele estará lá e vai garantir que você consiga.

Nesse caso, ele fala sobre uma realidade interior — o yoga para alcançar o Absoluto. Quando se trata de alcançar o Absoluto, se você fizer as coisas certas, é com 100% de certeza que isso funcionará, porque o único ingrediente é você — nada mais, apenas você. Então, ele podia dizer com absoluta certeza: “Se você fizer assim, eu cuidarei disso”. Quando se trata de realidades exteriores, ele nunca teria dito tal coisa, porque ele conhecia a vida — as realidades exteriores estão sujeitas a tantos fatores.

Se você conseguir manter o seu estado de consciência no momento da transição do físico para o além, você poderá alcançar a libertação. É por isso que, para a maioria das pessoas, o momento da realização espiritual e o momento de deixar o corpo são os mesmos. Se o estado de consciência acontecer quando você estiver saindo do corpo, de qualquer maneira você irá sair dele. Mas, mesmo que ainda não seja o momento de sair do seu corpo, se o seu estado de consciência se elevar para um pico em que você e o seu corpo estiverem claramente separados, você, provavelmente, não terá a capacidade necessária para se agarrar ao corpo, a menos que você esteja em situações em que existam certos mecanismos de controle que garantam que você não escape para fora do corpo.

O momento da morte e dos nascimentos futuros

Um outro aspecto é que, se você tem um certo pensamento no momento da morte, ele se tornará a qualidade do seu futuro nascimento. Nós devemos criar uma atmosfera de paz e bem-estar para as pessoas durante o processo de morte, porque seja qual for o fator dominante em sua mente e em suas emoções no último momento, essa se tornará a qualidade da sua vida futura. Essa é a razão pela qual, nesta cultura, nós sempre dissemos que você não deve morrer no seio de sua família. As pessoas costumavam ir à floresta para morrer — isso é Vanaprastha. Até mesmo o imperador Dhritarashtra, sua rainha Gandhari e Kunti foram para a floresta após a guerra de Kurukshetra, levando apenas Sanjaya como assistente. Todos haviam envelhecido, então eles foram para a floresta para morrer lá, ao invés de morrer no palácio. Embora Dhritarashtra fosse cego e estúpido em muitos aspectos, esse estado de consciência estava presente, o que está ausente no mundo de hoje. Agora que seus filhos haviam se tornado imperadores, Kunti, que havia sofrido todos os tipos de dificuldades em sua vida, poderia ter desfrutado do palácio, mas ela também decidiu ir e morrer na floresta.

Assim, eles entraram na floresta e escalaram uma colina muito íngreme. Houve um incêndio florestal. Como eram velhos, não podiam correr ou combater o incêndio, então decidiram simplesmente ser uma oferenda para o fogo. Então, Dhritarashtra disse para Sanjaya: “Você me serviu muito bem até agora, mas você ainda é um homem jovem — vá embora. Nós três nos entregaremos ao fogo". Sanjaya se recusou a deixá-los e todos os quatro foram queimados no incêndio na floresta.

Se você morrer no seio da família, você morrerá com um enorme senso de apego, o que, no futuro, não trará bem-estar. Você sabe que, na Índia, ainda hoje, as pessoas vão a Kashi para morrer, por ser um lugar sagrado. Eles querem morrer na graça de Shiva. Eles não querem morrer com a família, despejando-lhes suas emoções.

Hora de pagar o empréstimo

A morte é a única certeza na vida. Se você viveu bem sua vida, a morte não será de maneira alguma ruim. Se enquanto você estava vivo, a cada momento, havia hesitação, medo, ódio e raiva, isso significa que você nunca viveu. Se quando a morte chega, você quer viver: isso não é bom. Afinal, o que é a morte? Você vai deixar o corpo. O corpo é um empréstimo que você pegou da Mãe Terra. Se você pegar, digamos, 10 milhões de empréstimo com o banco e digamos que, nos próximos 50 anos, você tornou esses 10 milhões em 10 bilhões, quando o seu banqueiro vier para cobrar o empréstimo, você pagará com juros alegremente. Você o tratará bem e lhe dará presentes. Mas suponha que você desperdiçou esses 10 milhões e perdeu tudo, quando o banqueiro vier, o terror surgirá dentro de você. Você tentará se esconder. Você tentará aplicar muitos truques. Da mesma forma, a Terra lhe deu esse empréstimo. Se você o transformou em uma vida abençoada, se você realmente o usou em absoluto e viveu com grande doçura dentro de si, então, quando a Mãe Terra disser que é hora de pagar o empréstimo, você o pagará com alegria. E não há juros. Para quem paga com alegria o empréstimo, acabou, pois quando você está alegre, o estado de consciência acontece naturalmente. Quando você está consciente, você está no caminho da libertação. Definitivamente, a qualidade do último momento se tornará uma das principais qualidades de suas vidas futuras — se você deseja ter vidas futuras. Se você deseja se dissolver no Supremo, se deseja se tornar único com ele, então não haverá vida futura. As pessoas me falam: “Sadhguru, não use essa terminologia negativa — isso nos assusta. Nós vamos nos dissolver e nos tornaremos nada? Ao invés disso, nós poderíamos dizer: 'Quando você atingir mukti, você se tornará tudo'".

Nota do editor: Sadhguru oferece Isha Kriya, uma meditação guiada on-line e gratuita que ajuda a proporcionar saúde e bem-estar. A prática diária desse processo de 12 minutos, simples porém eficaz, pode transformar a vida da pessoa.

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